O QUE ACONTECE DEPOIS DA MORTE
Em álbum
de estreia e com formação ajustada, Matanza Inc persegue o universo musical e de
personagens que lhe é peculiar
Se o
Matanza encerrou as atividades em meados do ano passado, deixando fãs
inconsoláveis em concorridos shows de despedida pelo País, não demorou para a
boa notícia chegar. Depois da morte, o purgatório vem em uma nova corporação,
como Matanza Inc. O “Inc”, inspirado no Venom Inc., um desdobramento da banda
inglesa seminal do metal extremo, que passou por uma reestruturação semelhante,
vem no modo “pessoas emancipadas agindo como um corpo só”.
A vida
após a morte é explicitada no álbum de estreia, batizado com o singelo título
“Crônicas do Post Mortem”, e a explicação subtitulada como “Guia Para Demônios
& Espíritos Obsessores”. É mais um trabalho conceitual sacado pelo
guitarrista e compositor de quase toda as músicas e letras, e agora assumidamente
capo da corporação, Marco Donida. Além de Maurício Nogueira (guitarra), Dony Escobar
(baixo) e Jonas Cáffaro (bateria), ele tem o experiente Vital Cavalcante nos
vocais.
Contemporâneo
de Donida, Vital cultiva mais de duas décadas de berros, gritos e todo o tipo
de cantoria na beirada dos palcos, liderando bandas como Jason (uma das
atuais), Jimi James e Poindexter, onde foi revelado no início da década de
1990. Cascudo, Vital dá valiosa contribuição ao disco, em um incrível e
instantâneo processo de adaptação ao modo Matanza Inc de ser.
Modo este
que faz do cantor um verdadeiro intérprete da gama de personagens criada por
Donida. Porque não é possível ser suave, gentil ou afável ao se falar sobre
bebuns incorrigíveis, psicopatas inveterados, viciados em jogatina, traídos por
mulheres más, condenados sem piedade e outros tipos azarados em cujas vidas
tudo dá errado e eles nunca sabem o porquê. Cronista desse universo há mais de
20 anos, Marco Donida chega ao Matanza Inc com a pena afiada. E as guitarras
também.
No
primeiro single, “Seja o Que Satan Quiser”, o bebum sem saída se vê
descompromissado diante do Cão no purgatório, num rock pesado com as
referências que fazem parte do ambiente da banda: metal, hardcore e base
country. E com aquele refrão pegajoso, outra marca das composições de Donida.
Refrão que bate ponto na ótima “Tudo de Ruim Que Acontece Comigo”, um doo-wop
pesadão dançante incomum ao grupo, no qual o sujeito retratado se vê
injustiçado pela própria vida – maldição, crime ou castigo? -, mesmo que
persiga a ruína.
A
ruína também é tema do country core (invenção do próprio Marco Donida) “As
Muitas Maneiras de Arruinar a Sua Vida” – “não precisa escolher uma só” -, e as
referências mais explícitas ao metal extremo do disco estão em “Para o
Inferno”, na qual o condenado se conforma em ir para a parte de baixo com a
sensação de dever cumprido. A música tem a participação cavernosa de Vladimir Korg,
vocalista do The Mist, lenda do metal nacional da qual o jovem Marco Donida era
fã lá na década de 1980.
O
vocalista do Dead Fish, Rodrigo Lima, outro peso pesado do barulho nacional,
canta brilhantemente junto com Vital em “O Elo Mais Fraco da Corrente”, mais
trabalhada no hardcore: o pobre do cidadão morre sem saber o motivo “pela
evidente falta de bom senso”. Até a extrema-unção é tema, em “Péssimo Dia”, e o
indelével padre é rejeitado, em música conduzida por um belo riff de guitarra, resultando
em um heavy rock de sotaque setentista com peso abissal.
O
terceiro convidado é Marcelo Schevano, que empresta sutis teclados em “Pode Ser
Que Eu Me Atrase”, rock à Motörhead anos 70 convertido em Matanza Inc com ótimo
refrão e que prevê que um notável ruim de roda pode escapar do acidente
automobilístico e perder até a hora do juízo final; e a guitarra chora que é
uma beleza.
Compor
tantas variações sobre um mesmo tema – e o Velho Oeste só reaparece em “A Cena
do Seu Enforcamento”, quando se entende que “no firmamento não há mais lugar” -
não é para qualquer um. O genial Donida – que outro artista brasileiro criou um
subgênero do rock mundial? - investe bastante tempo em busca de músicas que
sejam ao mesmo tempo afins e distintas entre si.
Trabalhando
em total solitude, leva mais ou menos um ano no desenvolvimento das ideias, e
outro para chegar ao acabamento com as letras, em geral com farta riqueza
vocabular, e ao conceito de cada disco. Aí, parte para o sempre impactante
material visual, que ele também assina.
É
quando entra a banda, que, não é nada, não é nada, já está com essa formação, à
exceção do caçula Vital, há quatro anos, o que garante um ótimo entrosamento
não só nos palcos, mas na hora de entrar em estúdio. E facilita as coisas para
que um novo modus operandi, mais ameno, se imponha, mas sem desperdiçar as antigas
experiências.
“Crônicas
do Post Mortem - Guia Para Demônios & Espíritos Obsessores” tem lançamento
previsto para o início de junho, com shows agendados em várias capitais. Em
disco físico, sai pela Monstro, meca do rock independente nacional, em CD e LP,
e desde meados de maio todas as músicas estão liberadas nos serviços de
streaming. A versão europeia também já está acertada, numa parceria com a
Raging Planet de Portugal. Se a turnê do disco promete se estender por muito
tempo, que seja o que Deus, ops, o que Satã quiser...
Marcos Bragatto, maio
de 2019
Da um confere em Chumbo
Derretido uma das faixas do novo álbum.
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